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VILLEFRANCHE D'ALBIGEOIS / EXISTENCIALISMO PARA ACORDAR, ETAPA 2018, LA MÉRIDIENNE VERTE

Atualizado: 16 de nov. de 2021


►Passei uma péssima noite ontem, primeiro sentei em frente ao laptop para escrever e não saía nada. Depois de uma hora tentando e com a inspiração bloqueada, falei: foda-se, vou postar umas fotos e dormir. Para que? Não conseguia dormir e quando fiz, dormi mal, acordei de madrugada, umas 4 h, fiquei andando de um lado para o outro, deitei de novo, consegui dar um cochilo e levantei novamente às 7 h. Estava ansioso, não sabia o porquê. Quando levantei pela segunda vez, decidi fazer tudo sem pressa e sair na hora que tivesse arrumado tudo muito calmamente. Terminei meu mapa de navegação, decidi pedalar pouco, seriam só 70 km com 850 m de elevação até Villefrance d'Albegeois, um ponto estratégico para que eu dividisse as etapas em quilometragens parecidas, a fim de que eu chegue à Carcassonne, já bem perto dos Pirineus, disposto a encarar o desafio maior de montanha. Hoje foi um dia simbólico pois sem querer vi que aqui onde estou completei 1.000 km de jornada; são mais 333 km da fronteira com a Espanha e mais um 300 km até Barcelona. E isso mexeu muito comigo, o fim. Temos medo do fim porque por mais que nos programemos, ele sempre pode ser diferente do que imaginamos, diga-se, na maioria das vezes é!

Meu humor aqui varia de uma maneira incontrolável, talvez eu não tenha muitos limites para ele, venha o que vier. Entretanto, confesso que às vezes fico maluco com isso e é difícil controlá-lo. Então, nessas horas eu coloco os pés mais no chão como hoje e tento ser mais existencialista para, pelo menos em alguns momentos, dar uma trégua a mim mesmo. Hoje foi um dia desses. Jean-Paul Sartre, um filósofo parisiense, falava algo muito bacana: "não importa o que a vida fez com você, importa sim o que você faz com o que a vida fez de você." Guarde essa frase. E foi assim, durante os 70 km de hoje eu fiquei com isso na cabeça, o que estou fazendo comigo e o que devo fazer agora para ser melhor? Uma das coisas que fazia durante a pedalada, diferentemente do que você pode estar imaginando, era gritar, xingar a mim e aos pobres gados das fazendas por onde passava. Cada palavrão que eu gritava, todos me olhavam! Sabe aquela cara de gado? Gado tem uma cara de bobo, né? Não sorri, não interage, fica ali parado o dia todo embaixo daquele sol, alguns deitados, uns bebendo água e babando, outros comendo alfafa. E o que mais vejo nessas fazendas são cilindros de alfafa, haja comida para dar para esse bicho imbecil. Desculpe o desabafo, não quero voltar a essa vida como um gado. Bem, essa foi a minha maneira de encaixar melhor o pensamento e focar nesse dia de hoje objetivamente, sem arrependimentos.


Acima e abaixo, Ambialet, o castelo de Ambialet era uma fortaleza dos cátaros. Também abriga um campus da Universidade Saint Francis, Loretto, Pensilvânia.


Voltando à minha pedalada do dia e ao pensamento de Sartre, foquei no que fazia a diferença para eu levantar de manhã, embaixo desse sol, pedalar em verdadeiras montanhas-russas levando pelo menos 25 kg de peso além do meu. Estúpido talvez, mas Sartre me ajudou, o que faz a diferença nesse momento é o esforço, a dedicação. Sei que muita gente pensa assim: "nossa que privilégio pedalar na França, quando for grande quero ser assim." Essa frase estúpida é para mim um misto de inveja e incompetência, sabe porquê? Porque eu trabalhei para chegar aqui, porque eu tive paciência de esperar meu filhos crescerem para fazer o que faço hoje, porque eu treino todo dia para essa maratona de 1.600 km com 15.000 m de elevação altimétrica. Acho que é assim que temos que encarar a vida, se desafiando. Nos imaginarmos daqui um tempo e pensarmos onde vamos querer estar, com quem, em que condições? Depende só de nós. Viva conscientemente para não se arrepender depois. Aliás falando em arrependimento, tem uma música do Titãs com uma linda melodia e uma letra pífia, diz assim: " Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer..." Horrível, deveria terminar dando a volta por cima depois de tanta merda né, mas termina assim: "...teria ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o sol se por." Se mata, pô! Revoltante, desafie-se!


Os caminhos por onde passo mudam de uma hora pra outra, assim como meus pensamentos


Vou ser sincero, todos esses pensamentos foram frutos dos lugares os quais passei, lugares lindos, onde se podia ver a natureza estampada, o toque do homem feito de forma artesanal. Enfim, cheguei a Villefrance d'Albegeois, uma vila pacata, um hotel de caminhoneiros com roupa de cama da vovó. Estou aqui por trinta Euros. Havia um restaurante embaixo, pedi dois pratos de macarrão. A atendente me olhou curiosa e perguntou se eu estava esperando alguém. Na

hora que disse que era para mim mesmo, c'est pour moi! Respondeu ela: c'est vrai?, sim, era verdade, era só para mim, saiu com cara de espanto. Cheguei à conclusão que os franceses são magros porque comem pouco.

No fim do dia, uma grande surpresa, recebi finalmente a reportagem de jornal feita pelo jornalista em Bourges, muito bacana. Quero dividir as glórias disso, sem citar nomes, você que lê sabe, dividir com você que torce realmente por mim e que me acolheu nessa jornada. Aqui o meu muito obrigado porque faço o que faço com tanto prazer também por sua causa. Assim me vou, bem, então até amanhã, talvez um pouco mais sentimental. Boa noite!


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