EP. #22 - Grand-Saint-Bernard (dia de pausa)
►Ainda me recuperando da jornada de ontem, pois o que me desgastou foi a primeira montanha. Haviam dois caminhos, um pela estrada secundária que contornava a montanha, a outra que cortava o Mont Le Crevasse. Escolhi a segunda e por isso subi 700 m a mais. Não me arrependo pois passei por lugares maravilhosos, mas fiquei muito desgastado. Por um momento a 5 km de Saint Bernard tive dúvidas se realmente iria conseguir chegar. Além de não ter mais pernas para subir, fiquei tonto, me deu falta de ar e decidi não pedalar mais. A cada curva que eu fazia para, olhava no odômetro para saber quanto que faltava para subir. Olhar para cima era desanimador, pois você via a estrada sempre acima de de você. Enfim, cheguei, descansei e estou pronto para a nova fase de amanhã. Não sei muito bem o que me aguarda. Estou seguindo os conselhos do Jeff que gentilmente me deu uma listagem de todos os hotéis e B&B na Itália. Hoje, fui tentar fazer uma reserva, liguei por fone mesmo e com meu italiano arranhado consegui me fazer entender. Então a ideia é chegar amanhã em Pont St Martin, aproximadamente uns 100 km daqui. Serão pelo menos 40 km de descida para o Vale da Aosta que devo levar em torno de uma hora para completar.
Tirar o dia para descansar aqui é especial em todos os sentidos. Há muito o que fazer, caminhadas, lugares simplesmente para você parar, admirar e refletir. E foi isso que eu fiz hoje, dei um tempo para aliviar minha tensão junto aos cães São Bernardo, a raça que nasceu aqui nessas montanhas e perpetua por aqui há séculos. Um momento muito especial, de carinho sem compromisso, um momento de gratidão por estar num lugar tão encantado.
►Sair um pouco do albergue, olhar para esquerda, Suíça; olhar para a direita, Itália. É difícil saber qual montanha você quer visitar, para qual lado contemplar, caminhar ou apenas ficar sentado à beira do lago sentindo o vento gelado no seu rosto. Tudo feito por Deus com muito carinho. Aqui, também um lugar histórico onde Napoleão Bonaparte realizou a travessia no século XVIII, na companhia de 40 mil soldados, visando surpreender o exército austríaco que cercava Gênova.
"Deus instituiu neste mundo tão necessário três colunas em apoio aos pobres: o Hospício de Jerusalém, o Hospício de Mont Joux (Grande -Saint-Bernard) e o Hospício de St. Christine, em Somport. Estes hospícios estão instalados em locais onde eles são necessários. Estes são lugares sagrados, casas de Deus para o conforto dos peregrinos santos, confortar os doentes, a salvação dos mortos e ajudar os vivos. Portanto, aqueles que, quaisquer que sejam, têm construído esses lugares santos possuem, sem dúvida, o reino de Deus." (O Liber Sancti Jacobi ou Codex Calixtinus, Capítulo 4). No século 12, o guia do peregrino de Saint Jacques de Compostela dizia:
►Acima, a parte norte, Suíça, de Grand-Saint-Bernard com estrada ligando a Osières e Martigny. Abaixo, a parte italiana, sul. A primeira casa à direita é a duana da Suíça e a divisão oficial entre os dois países.
►Na hora do almoço, depois de muito tempo, falei um pouco de português com a Inês que trabalha num restaurante aqui perto. Ficou meio incrédula que estava vindo de Canterbury e indo a Roma, mas quando a gente acha algo que ama, fazemos mesmo e não largamos o osso. Então me veio à cabeça um citação de Nietzsche em "Assim Falou Zaratustra" que diz assim: "Demore o tempo que for para decidir o que você quer da vida, e depois que decidir não recue ante nenhum pretexto, porque o mundo tentará te dissuadir". Talvez tenha conseguido em parte depois de 50 anos de vida, mas o que eu quero evidenciar é que essa dissuasão é o mal do incapaz que não consegue realizar algo com tanta dedicação, com tanta entrega. Em mundo de redes sociais é interessante observar os comentários de alguns. Enfim, sempre penso que qualquer foto ou vídeo (é só isso que as pessoas querem ver uma vez que ninguém está interessado em ler porcaria nenhuma) postado, o postador está sujeito a essa dissuasão. Não me frusta, pelo contrário, me alegra saber que talvez um meia dúzia de pessoas realmente me apoiam e torcem por mim nesse projeto de vida - essas pessoas são importantes para mim, o resto realmente é resto, é gente que não se importa (mas o discurso é de se importar) em ficar no lugar comum. Qualquer mudança assusta e quando chega um sujeito com uma proposta diferente, incomoda. "Puxa, que legal, paisagens lindas, férias, ah como eu queria ser você um dia quando crescer". Meu amigo, isso é a síndrome do pensamento pequeno, mas hei de concordar que é hilário, principalmente essa frase.
►E o fim do dia foi com uma missa na cripta. Uma linda missa em francês, que entendi em parte, mas que valeu como experiência e pela comunhão. E de tanto ouvir a Ave Maria em francês, acabei decorando: "Je vous salue, Marie, pleine de grâces, le Seigneur est avec vous, vous êtes bénie entre toutes les femmes et Jesus, le fruit de vos entrailles, est béni. Saint Marie, Mère de Dieu, priez pour nous, pauvres pécheurs, maintenant et à l'heure de notre mort, amen!"
►É muito especial estar em Grand-Saint-Bernard.
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